Memória

 Sempre me disseram que eu tenho uma memória prodigiosa. A verdade é que essa habilidade, que parece quase mágica aos olhos de muitos, possui nuances fascinantes. Posso recordar com precisão diálogos de conversas antigas, cenas detalhadas de livros lidos há anos e rostos de pessoas que encontrei apenas uma vez. Essa capacidade oferece diversas vantagens, mas também apresenta desafios.

Entre as vantagens, destaco o desempenho acadêmico. Durante minha época de estudante, a memória facilitou enormemente a aprendizagem. Não era apenas uma questão de decorar informações, mas de conseguir reter conceitos complexos e aplicá-los em contextos variados. Essa habilidade me proporcionou uma base sólida de conhecimento, que uso constantemente em debates e discussões, enriquecendo minhas contribuições com dados precisos e bem embasados.

Profissionalmente, quando trabalhava como programadora em uma empresa de tecnologia, a memória foi uma aliada formidável. Lembrar-me de detalhes cruciais de reuniões, prazos e procedimentos conferia-me um diferencial significativo na equipe. A capacidade de evocar rapidamente informações sobre linhas de código, estruturas de dados e soluções implementadas anteriormente me permitia ser mais eficiente e assertiva na resolução de problemas e no desenvolvimento de novos projetos.

Minha memória também era essencial durante a depuração de códigos. A habilidade de recordar rapidamente erros semelhantes que havia encontrado no passado e as respectivas soluções reduzia drasticamente o tempo de troubleshooting. Isso não apenas aumentava minha produtividade, mas também ganhava a confiança e o respeito de meus colegas e superiores, que frequentemente vinham até mim em busca de orientação e insights sobre problemas complexos.

Porém, a memória apurada trazia desafios específicos no ambiente de programação. Lembrar-me de cada detalhe de projetos passados às vezes se tornava uma faca de dois gumes. A expectativa de ser uma enciclopédia ambulante de códigos e soluções frequentemente resultava em uma sobrecarga de responsabilidades. O volume de informações que precisava gerir mentalmente era enorme, e qualquer pequeno esquecimento, que para outros seria trivial, se tornava uma fonte de grande ansiedade para mim.

Mas talvez a maior desvantagem de ter uma memória excepcional seja a incapacidade de esquecer eventos desagradáveis. Perder meu pai foi devastador, mas nada se comparou ao dia em que minha mãe morreu em meus braços. Esse momento está gravado em minha mente com uma nitidez que muitas vezes preferia não ter. Lembro-me de cada expressão, cada palavra e cada segundo de dor. Esses eventos traumáticos não se dissipam com o tempo; permanecem vivos, revividos em detalhes excruciantes sempre que a memória os evoca.

Além disso, posso revisitar todos os diálogos que tive com meus pais, por telefone, mensagem ou voz. O último desentendimento que tive com a antiga professora de meu filho é um exemplo claro disso. Consigo rever cada palavra dita, cada tom de voz e cada silêncio pesado que se seguiu. Essa capacidade de recordar com precisão levou-me a ter certezas que não queria acreditar, a perceber nuances e intenções que preferia ignorar. Esse tipo de memória detalhada pode ser um fardo emocional, especialmente quando os diálogos e eventos envolvem sentimentos não resolvidos ou arrependimentos profundos.

O terror de poder reviver tudo com tanta clareza não é algo que muitos compreendem facilmente. As cenas dolorosas não são apenas lembradas; são reexperimentadas com uma intensidade que pode ser paralisante. Cada detalhe, cada emoção, cada expressão ficam gravados na memória, prontos para ressurgir a qualquer momento. Isso pode ser um tormento constante, um ciclo interminável de revivência de traumas e angústias.

Reviver esses momentos dolorosos pode levar a uma espécie de prisão mental, onde o passado está sempre presente, impossibilitando o esquecimento e a superação. A memória se torna não apenas uma ferramenta, mas também um cárcere que mantém vivas todas as dores e angústias, tornando cada revivência uma experiência traumática em si mesma.

Perdoar é difícil, mas aprendi a fazê-lo, mesmo que muitas vezes isso signifique afastar-me de pessoas que não me elevem. Pessoas que falem mal de mim ou de minha integridade, que desrespeitem meus valores, são melhor mantidas à distância. Existem pessoas que deixo para trás sem dar-lhes qualquer relevância; nunca escreveria sobre elas, pois foram insignificantes. Não preciso de terapia para lidar com essas pessoas, pois suas ações não tiveram impacto suficiente para merecer minha atenção.

Por outro lado, há aquelas que escrevo pela mágoa que causaram a mim ou a alguém que amo incondicionalmente. A combinação de mágoa pessoal e injustiça cometida contra quem amo é especialmente dolorosa. Detesto injustiças e tenho dificuldade em esquecer ou perdoar aqueles que as cometem. Esses acontecimentos ficam gravados em minha memória com uma intensidade que torna impossível ignorá-los.

Apesar desses desafios, aprendi a valorizar minha memória e a utilizá-la como uma ferramenta poderosa em minha vida pessoal e profissional. Praticar o autocuidado e desenvolver técnicas de mindfulness se mostraram essenciais para equilibrar o impacto emocional da memória prodigiosa, permitindo-me aproveitar ao máximo essa habilidade sem ser sobrecarregada por ela.

Portanto, ter uma boa memória é um presente complexo. Celebro os benefícios que ela traz para minha vida profissional, especialmente no campo da programação, enquanto navego cuidadosamente pelos desafios emocionais que acompanham essa habilidade. É uma dança delicada entre reter o que é útil e aprender a deixar ir o que não serve mais, um processo contínuo de autoconhecimento e crescimento.

Engraçado como não sou rancorosa. Não desejo mal, apenas me protejo. Ter boa memória também ajuda nas respostas a emails descontrutivos; faz com que a resposta seja imparcial, sem sentimento. Não conhecer alguém não magoa; apenas é hilariante. Faz sentido como essa habilidade de lembrar detalhes pode ser uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. É uma ferramenta poderosa, mas que requer equilíbrio emocional para ser utilizada da melhor forma possível.







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