"Desespero"

 Ah, o telefone. Aquela invenção do Alexander Graham Bell que supostamente deveria aproximar as pessoas, mas que, na prática, acaba por ser um instrumento de tortura moderno. É aquele aparelho que toca nos momentos mais inoportunos, interrompendo nossa paz, seja para vender um cartão de crédito ou, pior ainda, para compartilhar dramas ginecológicos.

Foi exatamente o que aconteceu naquela fatídica tarde de domingo. O meu telefone, que deveria estar em silêncio sepulcral, começou a vibrar com a intensidade de um terremoto. Olho para a tela e vejo o nome da amiga. Aquele nome que só aparece quando a catástrofe está iminente.

Atendi, não porque queria, mas porque um resquício de decência humana me obrigou. Do outro lado da linha, ela soluçava, misturando palavras incompreensíveis e gemidos desesperados. Na minha mente, uma avalanche de pensamentos: "Será que o gato dela morreu? Será que finalmente entendeu que investir em criptomoedas foi uma péssima ideia?"

Mas não. O motivo era muito mais grave. Muito mais urgente. Ela estava aos prantos por um "alto" na vagina. Sim, um "alto". Fiquei sem palavras. Não porque estava em choque, mas porque estava tentando não rir. Tentando entender o que exatamente ela queria dizer com "alto" e, pior, tentando visualizar o cenário que ela descrevia.

"Amiga, tenho um alto na vagina, ao pé dos três buraquinhos no lábio superior no lado direito, ao pé dos buraquinhos que sai o lubrificante que nos dá prazer." 

Essa frase ressoou nos meus ouvidos como um enigma bizarro. Primeiro, a contagem dos "três buraquinhos". Três? Eu podia jurar que tinha perdido alguma aula importante de anatomia. Depois, o lubrificante. Claro, porque a vida é um filme de ficção científica e os nossos corpos são máquinas precisas e bem lubrificadas. A minha não é igual á dela!

Tentei manter a compostura. Perguntei, com toda a seriedade que pude reunir: "Você já foi ao médico?" A resposta foi ainda mais absurda. "Não, amiga, estou com medo! E se for algo grave?"

Nesse momento, compreendi a magnitude do drama. Não era apenas um "alto". Era uma questão existencial. A terrível e angustiante dúvida se a sua vagina era normal. Ela estava, de fato, vivendo uma crise identitária. Algo digno de um tratado de Freud.

Respirei fundo, porque rir não era uma opção. Expliquei que cada corpo é diferente, que um médico seria a pessoa certa para avaliar a situação e que, se fosse preciso, até acompanharia ela ao ginecologista. Tudo isso dito com a paciência de um monge budista, enquanto mentalmente eu estava numa gargalhada interminável.

Quando finalmente consegui desligar, senti um alívio imenso. E prometi a mim mesma que, da próxima vez, deixaria o telefone no modo avião. Porque, afinal, ninguém merece ter a paz interrompida por altos na vagina e buraquinhos lubrificantes. A vida já é suficientemente complicada sem essas metáforas anatômicas surreais.




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