Escrever para Ver

 Escrevo porque sinto. Escrevo porque vejo. Escrevo porque ouvir não basta, e ler sem refletir é um acto vazio. A escrita é o espelho onde confronto o que há dentro e fora de mim. Um espelho que nem sempre agrada, mas que nunca mente.

O ser humano tem uma cegueira peculiar: vê o outro com clareza, mas se desconhece. Aponta falhas, julga, analisa, mas diante do próprio reflexo, desvia o olhar. Eu escrevo para não desviar. Registro as atitudes que os outros têm para comigo, mas também as que eu tenho com eles. Porque entender os gestos que recebo e os que ofereço é essencial para a construção daquilo que quero ser.

No início, meus textos eram celebrações – os primeiros são de 2022, escrevia sobre as qualidades que admiro, sobre as pessoas que me marcaram. Exaltava o belo, a grandeza nos detalhes, a bondade que resiste ao tempo. Mas a vida não é feita apenas de virtudes. Depois, veio a necessidade de escrever sobre o que fere, o que corrói, o que deixa marcas invisíveis. Escrevi sobre defeitos, atitudes mesquinhas, palavras que deveriam ser ditas e ficaram presas na garganta. Escrevi sobre a dor e a saudade – irmãs inseparáveis, que só existem porque algo ou alguém foi importante o suficiente para deixar um vazio.

Escrever sobre o que não gosto nos outros me dá uma chave poderosa: a consciência do que não quero ser. O dedo que aponta para fora se curva de volta para mim. Cada crítica que faço ao mundo é uma oportunidade de autoconhecimento, um convite para me perguntar: "E eu? Será que, em algum momento, fui exatamente aquilo que desprezo?"

A escrita me ensina a ver. A observar as contradições, a hipocrisia disfarçada de boas intenções, a fragilidade escondida atrás da arrogância. Ensina-me que ninguém é só virtude ou só erro. Que somos todos feitos de luz e sombra, e que negar um lado é se mutilar.

Por isso, continuo a escrever. Não para julgar, mas para compreender. Não para condenar, mas para crescer. Porque as palavras são o fio condutor entre o que sou e o que posso vir a ser.

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