Caminho de Verdade
Hoje, enquanto conversava com aquela que escolhi para me acompanhar nesta peregrinação, dei por mim a refletir sobre os caminhos que nos levam até às pessoas. Não é uma amizade antiga, não é uma relação forjada pelo tempo, mas sim uma ligação nascida do acaso, da necessidade, das encruzilhadas da vida. Conheci-a porque o meu filho trocou de escola—um detalhe aparentemente banal, mas que, como todas as pequenas mudanças, trouxe consigo repercussões profundas.
Não escrevo isto para criticar a instituição anterior nem aqueles que nela habitam. A minha história não é uma acusação nem um clamor por justiça tardia. Quando falo sobre o que aconteceu, não é por incapacidade de seguir em frente, mas sim porque a memória não se apaga por decreto. O que vivemos molda-nos, deixa marcas, e não há vergonha em revisitá-las. Não sou adepta da mentalidade infantil do “ou estás comigo ou contra mim”; a vida é demasiado complexa para dicotomias simplistas. Sei bem o quão perigoso é tomar as dores dos outros sem discernimento, seguir cegamente uma narrativa, transformar ressentimentos alheios em bandeiras próprias. Já vi isso acontecer, já senti na pele os efeitos da calúnia, da distorção, da cegueira coletiva. Mas se outrora fui alvo desse fenómeno, não o replicarei agora, arrastando outros para um julgamento sumário.
Falo sobre o passado porque ele existe, porque me moldou, porque o sofrimento deixa cicatrizes e as cicatrizes contam histórias. Não nego a dor, mas também não a alimento com rancor. A dualidade da experiência humana é uma dádiva e um fardo: aquilo que nos magoa também nos fortalece, aquilo que nos destrói pode, paradoxalmente, abrir portas para algo novo e luminoso. Foi assim que cheguei até ela.
E agora, juntas, vamos percorrer um caminho de transformação. A peregrinação não é apenas um ato físico, um trajeto com quilómetros contados e marcos geográficos. É um despojamento, um confronto com a nossa própria essência, uma comunhão com quem caminha ao nosso lado. Durante cinco dias, não haverá máscaras, não haverá artifícios. Apenas nós, a estrada, o cansaço, a fome, a partilha, o silêncio que por vezes pesa e outras vezes cura. Vamos caminhar, comer, dormir, sofrer e rir juntas. Vamos aprender a conhecer-nos numa dimensão que nunca poderíamos alcançar no mundo cotidiano, onde as distrações e as convenções nos protegem do verdadeiro encontro. Vamos fazer vídeo chamada para falar com nossos filhos, vou falar com ele na hora do lanche, almoço e jantar e prometi partilhar os vídeos no Facebook tudo vai ficar para quem não pode ir acompanhar.
E, como se este desafio não fosse já suficiente, ela lançou-me outro. Santiago de Compostela. Sem hesitar, disse-lhe que sim. Para o ano, seguiremos juntas até lá. Há promessas que não precisam de ser ponderadas; há decisões que se tomam com o coração antes que a mente tenha tempo de intervir.
Agradeço a Nossa Senhora, intercessora incansável, por colocar no meu caminho pessoas que, embora imperfeitas, são autênticas e boas. Porque a perfeição é uma ilusão, mas a autenticidade é uma dádiva. E eu, ao longo deste percurso, aprendi a reconhecer e a valorizar os que trazem verdade à minha vida.