O meu desejo é desconhecer pessoas.
Não todas, naturalmente. Há rostos que ficam connosco, como o calor persistente de um sol tímido em pleno inverno; há palavras que se cravam na memória, não como feridas, mas como mapas, apontando caminhos onde antes só havia desorientação. Quero preservar esses. Quero guardar quem soube tocar sem exigir, quem ocupou espaço sem esmagar, quem silenciou sem ofender.
Quero, no entanto, desconhecer os outros. Quero apagar o vestígio daqueles que chegaram com as mãos estendidas e o coração fechado. Quero apagar as suas vozes — sim, essas vozes que nunca disseram nada, apenas ruíram por dentro, como edifícios abandonados no tempo. Quero devolver-lhes os olhares que nunca souberam ver nada para além de si próprios. Desfazer os toques que não tocaram, devolver os sorrisos que eram máscaras baratas e falsos portos de abrigo.
Gostava que viessem com um botão: um pequeno e discreto "Desfazer" ao alcance de um pensamento. Ou com uma data de validade inscrita no próprio olhar, uma etiqueta marcada por dentro: expiram na primeira mentira sem remorso, na primeira traição coberta de desculpas, na primeira vez que fazem com que o silêncio seja um alívio. Porque há pessoas assim, de silêncio fácil e presença sufocante. E essas pessoas, por mais que custe dizê-lo, já vinham erradas — eu é que não vi.
O problema nunca foi o mundo. O mundo, na sua vastidão desmesurada, tem espaço para tudo: até para as piores falhas humanas. O problema sou eu — eu, que tolerei gente a mais. Eu, que aceitei presenças que só pesaram, mãos que só exigiram, palavras que roubaram mais do que ofereceram. Não o erro delas, mas o meu. Não as mentiras ditas, mas as vezes em que acreditei nelas.
E seria um luxo, não seria? Poder voltar atrás, não para perdoar, mas para esquecer. Não simplesmente esquecer, mas desconhecer. Arrancar das memórias aquelas presenças cinzentas que nunca souberam ser inteiras, presenças que apenas consumiram pedaços de quem eu fui. Libertar-me da sombra dos erros que não foram só meus, mas que me marcaram como se fossem.
Queria fazer isso com crueldade cirúrgica, metódica. Remover um a um, com uma precisão que parecesse artística, quase. Desconhecer os nomes que ficaram a ecoar mesmo depois de os rostos se terem tornado irreconhecíveis. Libertar as palavras que continuam a ressoar na pele. Rasgar, como páginas desnecessárias num livro, capítulos que só foram escritos porque insisti em lê-los.
E não é raiva o que sinto — ou talvez seja, sim, uma raiva controlada, como um metal fundido à espera de ser moldado. Porque estas pessoas nunca se preocuparam em ficar, mas em deixar a sua marca. E essa marca, por mais que tenha cicatrizado, ainda pesa.
Por isso, quero devolvê-las. Não apenas ao esquecimento, mas ao vazio. Quero que desapareçam, como se nunca tivessem estado. Não porque merecem essa indiferença, mas porque eu mereço essa leveza. Desconhecê-las é a vingança mais perfeita. Que parem de existir, pelo menos para mim. Que deixem de ser sombra, de ser peso, de ser parte.
E, nesse desconhecimento, reencontro-me. Afinal, é um luxo poder caminhar leve, sem os pedaços arrancados por quem nunca soube estar. Sem as marcas deixadas por quem nunca soube partir.