O Olhar Que Me Recorda

 Há olhares que nos atravessam a alma, que nos prendem a memórias e sentimentos que julgávamos guardados no tempo. Olhares que não pertencem apenas ao presente, mas que carregam ecos do passado, trazendo de volta rostos, gestos e histórias que nos marcaram.

Os olhos da professora do meu filho têm essa profundidade rara, essa intensidade que me faz lembrar os olhos da minha mãe. Há algo neles que me desarma, que me faz sentir como se já a conhecesse há muito tempo, como se, de alguma forma inexplicável, um pedaço do olhar da minha mãe vivesse ali. Talvez seja a mesma melancolia silenciosa, a mesma força disfarçada de teimosia, a mesma luta interior entre aquilo que se sente e aquilo que se mostra ao mundo.

A minha mãe sempre pareceu tranquila, feliz, bem resolvida. Mas eu sabia que por trás desse semblante sereno, havia tempestades que ela enfrentava sozinha. Guardava as suas dores dentro de si, falando pouco, como se o que revelasse fosse apenas a ponta de um iceberg imenso e invisível. Muitas vezes senti que a falhei, que não consegui alcançar tudo o que se passava dentro dela. E agora, ao cruzar o olhar da professora, é como se por instantes voltasse a encontrar essa mesma profundidade, esse mesmo silêncio cheio de palavras não ditas.

Talvez seja isso que me impede de criar distância, que me faz baixar a guarda. Porque há algo de familiar, algo de reconfortante. Não é uma questão de idade, de semelhança física ou de qualquer razão lógica — é apenas o olhar. E nos olhos de alguém pode caber um mundo inteiro, um pedaço de passado que se entrelaça com o presente.

Há quem não compreenda essa proximidade, quem veja nela um motivo para distâncias e receios. Mas há ligações que nascem de forma natural, inexplicável, e que nos fazem sentir menos sós. Às vezes, basta um olhar para nos lembrarmos de quem fomos, de quem amámos, de quem ainda vive dentro de nós, mesmo na ausência.

A minha mãe foi uma grande mulher. E, talvez sem que ela própria saiba, a professora carrega um pouco desse mesmo olhar — um olhar que me faz recordar, mas que, ao mesmo tempo, me permite continuar.

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