Mensagens

A mostrar mensagens de junho, 2025

Domingo, Dia do Senhor: Solenidade de São Pedro e São Paulo — Mártires, Colunas da Igreja e Mestres da Coragem Cristã

O Domingo, na tradição cristã, é o Dia do Senhor — dies Domini — consagrado à memória viva da Ressurreição de Cristo. É nesse espírito que hoje celebramos, em uníssono e solenidade, duas das figuras mais extraordinárias e fundacionais da fé cristã: São Pedro e São Paulo. Esta data, que congrega num só sopro litúrgico o testemunho de dois homens tão distintos e, todavia, tão complementares, é marcada não apenas pela recordação histórica, mas pela revisitação espiritual do seu sacrifício, da sua coragem e do seu legado como pedras vivas da Igreja. São Pedro, de nome original Simão, era um simples pescador da Galileia quando ouviu as palavras que mudariam a sua história e a do mundo: «Segue-me». Cristo chamou-o Kēphas, que em aramaico significa «pedra», traduzido para o latim como Petrus, Pedro. Este nome foi-lhe dado não por acaso, mas por profecia, pois seria sobre esta “rocha” que Cristo edificaria a Sua Igreja. É por isso que Pedro é reconhecido, ainda hoje, como o primeiro bispo de R...

O poder do “não” e o valor de estar presente: um testemunho de amor e consciência

Vivemos tempos em que o “não” parece sempre pedir desculpas por existir, como se fosse necessário envolver cada recusa em camadas de justificações para que seja aceite. Mas, na realidade, o “não” é, por si só, uma afirmação completa – um acto de coragem e clareza. É a expressão autêntica de quem compreende que os limites são, mais do que uma recusa, uma forma de amor-próprio, de respeito pelos outros e, acima de tudo, de respeito pelo que verdadeiramente importa. Na semana que findou, senti, de forma particularmente intensa, o peso e, simultaneamente, a graça de saber dizer “não”. Terminava o primeiro ciclo do meu filho – um marco tão simbólico quanto real, um fecho de capítulo que carrega memórias de descobertas, medos ultrapassados e vitórias silenciosas. Era inevitável: o coração pedia-me para estar ali, de corpo inteiro e de alma presente, e não apenas como espectadora apressada de um momento irrepetível. Disse “não” a reuniões, disse “não” a compromissos que poderiam ser adiados, ...

Hoje Foi o Último Dia com Ela

Introdução Ele aprendeu, cedo demais, que nem tudo o que brilha é ouro; que a presença de muitos não equivale, necessariamente, à entrega de um só coração sincero. E, mesmo assim — ou talvez precisamente por isso — manteve o seu coração entreaberto, vigilante, mas disponível para os raros encontros que verdadeiramente contam. Hoje, ao ler as palavras do meu filho, sinto as barreiras antigas cederem ao testemunho de uma experiência que, sendo dele, também me pertence: a dádiva de ter encontrado, no caminho escolar, alguém que foi muito além do ofício de ensinar. Choro com ele, não apenas pela dor da despedida, mas, sobretudo, pelo privilégio de ter assistido, quase em silêncio, ao florescimento de uma alma jovem que ousou sentir intensamente, pensar sem pedir licença e entregar-se ao afecto autêntico de quem soube vê-lo — na inteireza do que é. A tristeza que agora nos visita não nasce de uma perda, mas da grandeza do que se viveu: um vínculo raro, tecido de atenção, paciência e verdade...

O Caminho para a Aldeia: onde renasci como mulher e mãe

Imagem
 Em 2024, iniciei um percurso que mudaria o curso da minha vida — não num gesto súbito ou grandioso, mas passo a passo, com os pés feridos e o coração em ruínas. A estrada que me conduzia até esta aldeia tornara-se, nos primeiros tempos, uma espécie de via-sacra pessoal. Um trilho de dor e expiação, onde cada viagem era acompanhada por lágrimas, orações silenciosas e um nó na garganta que parecia nunca desfazer-se. Fazia esse caminho três vezes por dia, e cada regresso trazia-me a mesma sensação de impotência. Não era apenas a distância física que percorria, era a distância emocional entre aquilo que tinha sido e o que me via obrigada a tornar-me. Naquelas viagens chorei como nunca antes. Chorei por mim, pelo meu filho, por aquilo que nos foi feito. E por aquilo que, sem querer, permiti. Confiei. Confiei em quem não devia. Confiei numa promessa vazia, numa máscara de boas intenções que escondia uma alma fria. Deixei que essa pessoa se aproximasse do meu filho — e essa foi a queda. ...

O Silêncio Onde Me Encontrei

Por sendas ásperas vaguei, com os passos gastos de ausências, a alma descalça de paciências, e o tempo, um eco que não escutei. Procurei, com sede insaciável, nas promessas vãs do ruído, um sentido irrevogável que me resgatasse do perdido. Busquei em vozes ocas, em ideais de brilho febril, mas eram sombras ocas, onde tudo acabava fútil. E então — não sei se por cansaço ou por uma graça imprevista — parei, e no mais íntimo espaço ouvi uma nota nunca antes ouvida. Não era um chamamento estridente, nem um clarim de revelação, mas um silêncio surpreendente com timbre de libertação. Descobri-me no meio do caminho, não por ter chegado a um lugar, mas por ter cessado o desalinho de querer sempre alcançar. A paz não veio como conquista, nem como prémio ou solução; chegou como quem assiste ao desabrochar da aceitação. Agora sou brisa, e sou pedra, sou pausa no compasso do mundo. Habito o instante, sem pressa, num viver mais íntimo e profundo. Não me movo por urgência, nem por metas traçadas a r...

Só agora sei o valor da paz: uma epifania com café e silêncio

 Só agora, com os cabelos já familiarizados com o vento das experiências e a alma menos ansiosa por respostas imediatas, é que sei valorizar — com a reverência de quem descobre uma relíquia enterrada no quintal da infância — a paz. A paz de espírito. A paz de não ser incomodada. A tranquilidade de fechar os olhos sem receio de ser puxada por vozes alheias à minha consciência. E, sim, confesso: há uma felicidade mansa, quase clandestina, em não ser permanentemente solicitada, interrompida, invadida. É uma alegria que não grita, mas que se manifesta na forma de um bocejo sincero, de um café morno às dez da noite, de uma gargalhada que ecoa apenas dentro da cabeça, sem notificação sonora. Há uma liberdade inaudita em não ter que explicar-me, justificar-me, defender-me de ataques que nunca pedi para receber. De uns meses para cá, fui-me afastando. Não com raiva, não com mágoa — apenas com lucidez. E descobri que há amor próprio que só floresce no silêncio. Durante meses — talvez, parec...

Dedicatória

Filho, meu maior orgulho e a minha equação mais perfeita, Desde o primeiro instante da nossa jornada juntos, percebi que a vida nos ofereceria problemas complexos, incógnitas desafiantes e variáveis imprevisíveis. Mas, tal como numa expressão matemática elegante, cada passo que deste revelou a lógica e a beleza do teu crescimento. Acabaste o 1º ciclo sem esforço, sem sequer precisar de pegar num livro, dominando com facilidade a matéria que te foi lecionada. Já sabias mais do que aquilo que estava à tua frente — eras o verdadeiro “number boy”, um prodígio que inspira e encanta. Imagina tudo o que consegues alcançar se te aplicares ainda mais! A matemática, essa ciência fascinante que tanto amas, não é apenas números ou fórmulas — é a linguagem universal que explica o cosmos, o reflexo da ordem no caos, a prova de que tudo é possível quando entendemos as regras do jogo. Tu tens essa capacidade intelectual incrível de ver além do óbvio, de encontrar padrões, de resolver problemas que a m...

Quando o Silêncio de Quem Permanece Começa a Doer

 Há pessoas que são como uma luz baixa numa casa adormecida. Não iluminam com estrondo, não cegam nem se impõem. Mas estão sempre lá, acesas, firmes, constantes. São aquelas que não aparecem só quando é conveniente, nem desaparecem quando o mundo nos vira as costas. São as presenças que nos conhecem nos dias bons e, sobretudo, nos dias em que não somos fáceis de amar. E, mesmo assim, escolhem ficar. Essas pessoas, por mais incríveis que sejam, são muitas vezes esquecidas. Não porque deixem de importar, mas precisamente porque se tornam parte do ar que respiramos. Estão tão presentes que acabamos por não as ver. E isso dói. Dói nelas, mesmo que não o digam. E dói em nós… mas só mais tarde, quando percebemos — por fim — o que tínhamos, e o quanto deixámos por cuidar. A verdade é que, no meio da correria, dos cansaços, das mil coisas que nos pesam nos ombros, tendemos a esquecer aquilo que nos parece garantido. E é aí que erramos. Porque ninguém é garantido. Nenhum coração que ama res...

A Essência do Agora: O Milagre dos Pequenos Gestos

 Há algo de profundamente paradoxal na forma como vivemos: perseguimos o extraordinário, enquanto desvalorizamos o que, no fundo, tem mais peso — os instantes que nos escapam entre os dedos, as palavras não ditas, os abraços adiados. Na ânsia de alcançar um futuro idealizado, esquecemo-nos de que a vida não nos espera, não se suspende, nem se guarda para mais tarde. A vida é agora. E é neste agora que reside a mais pura essência da existência. A vida não se mede em conquistas monumentais nem em marcos grandiosos. Mede-se nos silêncios partilhados com quem nos compreende, no brilho nos olhos de quem escuta, na pele arrepiada por um gesto inesperadamente terno. É nesses momentos — pequenos, quase imperceptíveis — que nos tornamos verdadeiramente humanos. Um sorriso genuíno pode quebrar muralhas erguidas durante anos. Um abraço sentido pode restaurar a fé no mundo. Uma escuta atenta pode ser o alicerce de uma alma cansada. Vivemos numa sociedade que idolatra a produtividade, que glamo...

O Abismo Esclarecedor: Uma Meditação Sarcástica (e Amorosa) sobre o Autoconhecimento

 O caminho do autoconhecimento — esse trajecto místico envernizado com verniz de Instagram e cheiro a incenso barato — é, paradoxalmente, o mais subestimado e superestimado dos empreendimentos humanos. Todos somos, em teoria, convidados a percorrê-lo, embora a maioria decline o convite com a mesma displicência com que rejeita convites para jantares de Tupperware: com um sorriso vazio e a cabeça cheia de "amanhãs". Mas o autoconhecimento não é um destino com vista para o mar e cocktails com nomes ridículos. Não, senhor. É uma viagem interior, de faca nos dentes, em que se escava — sem anestesia — as camadas arqueológicas da alma humana, esperando encontrar ouro, mas tropeçando, invariavelmente, em sarjetas emocionais e traumas de infância embrulhados em sarcasmo. É um safari pelo pântano da psique, com monstros que se alimentam de negação, ansiedade e doses generosas de autoengano gourmet. E o mais irónico — porque o Universo tem um sentido de humor que beira o sádico — é que ...

Diário de uma Sexta-Feira Invisível (Mas Cheia de Gente)

 Durante muito tempo, escrevia com o coração escancarado. Não havia filtro, nem receio — partilhava tudo: sentimentos, vivências, dores, conquistas, pessoas que amava, respeitava, cuidava e até aquelas que me desiludiam. Escrevia como quem respira: sem pensar muito, porque era natural, necessário, quase vital. O meu blog era uma espécie de janela aberta para o mundo — um diário público onde cada palavra era reflexo de mim. Mas aprendi da pior forma que nem todos leem com o coração com que escrevemos. As palavras, quando saem de nós, ganham vida própria — e por vezes são mal interpretadas, usadas contra nós, torcidas até doerem. Aprendi que nem sempre a verdade é protegida. E que a vulnerabilidade, num mundo cínico, pode ser uma arma apontada. Hoje continuo a escrever. Todos os dias. Mas partilho com mais cuidado. Como diz o meu filho, com um ar traquina e olhos brilhantes: “o diário da mãe”, “a terapia” ou, com um sorriso cúmplice, “as nossas aventuras”. Ele vê, percebe, sente — e ...

As Santinhas do Story: Evangelho Segundo o Like

 Hoje, falar com alguém ao telemóvel pode ser um acto de arqueologia emocional. A minha prima, do outro lado da linha, mandou uma daquelas frases que se alojam no peito como uma farpa. E eu, com a mente em ebulição — uma espécie de Chernobyl criativa —, escrevi este texto. Não por vaidade. Por higiene mental. Porque o mundo está doente. Espiritualmente intoxicado. E alguém tem de dizer a verdade, mesmo que doa. Vivemos tempos onde toda a gente quer ser alguém — mas não alguém comum, não. Alguém que se destaca. E como já ninguém quer trabalhar com o suor da testa (cuidado com o botox), então opta-se por caminhos mais... etéreos. Já não se busca santidade pela renúncia, mas pela ostentação. Já não se jejua, limpa-se o karma. Já não se sofre em silêncio, agora faz-se reels a chorar. E se não for possível ser canonizada, ao menos que se seja uma pastora, uma bruxa, uma guia espiritual com ascendente em peixe e tenda montada no Instagram. O sofrimento virou uma estética. O misticismo, u...

Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo.

 A Mesa que nivela, o Corpo que transforma, o Amor que permanece Hoje é feriado — mas não é um simples dia de pausa. É um dia que suspende o tempo e nos convida a parar de verdade, não apenas o corpo, mas a alma. Celebramos a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, ou como ecoa nos corações marcados pela fé: Corpus Christi. Um dia que não é apenas para lembrar, mas para presenciar — porque nesta festa não evocamos apenas um gesto simbólico de Jesus, mas celebramos o mistério da Sua presença real, viva, total. Fui à missa. E, como acontece tantas vezes, saí de lá com algo que não tinha quando entrei. Para além da comunhão sagrada, levei comigo as palavras do senhor padre — proferidas com serenidade, clareza e aquele dom raro de tornar o divino compreensível sem o banalizar. A homilia foi teológica, poética e, a espaços, até levemente humorada — como só sabem fazer os que conhecem a alma humana. Começou com uma pergunta simples e profundamente incisiva: "Quem é que se sen...

Eu, mãe, é que sei exatamente o que escrever

 Foi hoje, durante o intervalo. Estava encostada à rede, como tantas vezes, à espera de o ver, de o ouvir, de partilhar um momento daqueles só nossos, que só as mães conhecem. Entre o tilintar do recreio e os risos soltos dos colegas, ele aproximou-se de mim, com aquele ar meio distraído, meio cúmplice. "Mãe, tenho uma coisa para te entregar." Não sei porquê, mas aquela frase parou-me. Talvez fosse o tom. Talvez fosse o momento — tão banal, e ao mesmo tempo tão cheio de significado. "Umas coisas que a professora me deu na sexta-feira," disse ele, com a maior das naturalidades, como quem entrega um bilhete qualquer. Sorri. Ri, até. Há quanto tempo ele não fazia uma destas? Tão ele, tão próprio destas fases em que já não são pequenos, mas ainda não são crescidos. São as coisas de ser finalista. Mais tarde, quando o fui buscar para o almoço, a conversa voltou. Perguntei o que era aquilo afinal. Foi então que, com aquele jeito muito dele, meio teatral, meio sincero, me ...

Às Almas que Sentem (Ou Que Fingem Bem)

Crónica para os que ainda escutam com a alma Nunca imaginei — e digo isto com uma sinceridade que já não tem energia para maquilhar nada — que textos escritos entre uma crise de ansiedade e a lista de compras do supermercado, entre uma lágrima no caminho e o silêncio depois de desligar o telemóvel, pudessem chegar a alguém. Mas chegaram. Tocaram. Habitaram. E, segundo consta, até curaram. Não sou curandeira. Não sou terapeuta. Mal sei ser gente às vezes. Mas, aparentemente, basta ser honesta com a dor, e já se está a fazer mais do que metade do mundo. A ironia suprema disto tudo é que nunca escrevi para “chegar” a alguém. Escrevi para não morrer engasgada. Para não me afogar nas palavras que o corpo não conseguia chorar. Escrevi para não enlouquecer no meio da normalidade fingida. E foi nesse acto desesperado, quase primitivo, de escrever com a alma em carne viva, que encontrei eco. Gente que, sem me conhecer de lado nenhum, disse: “sou eu que estás a escrever.” Como se eu tivesse inva...

Voltar a mim: a liberdade de curar em silêncio

Houve uma altura em que me senti doente. Não era febre. Não era um vírus. Não era algo que um médico pudesse diagnosticar em cinco minutos de consulta. Era outra coisa — uma exaustão interna, um silêncio pesado, uma dor difusa que morava no corpo mas nascia na alma. Por vezes, sentia-me doente… e sabia, lá no fundo, que não era o remédio que faltava. Nem era o remédio que podia curar. O que eu realmente precisava — e não encontrava — era alívio. O alívio de não ter de me justificar constantemente. O alívio de poder existir sem ter de explicar cada gesto, cada escolha, cada silêncio. O alívio de não precisar de me defender. O alívio de um abraço que acolhe sem perguntar, de uma palavra que não julga, de um espaço onde eu pudesse ser quem sou — sem medo. Porque sim, o corpo adoece quando a alma está saturada. O corpo fala, quando silenciamos o que mais importa. Adoece-se de carregar peso demais, silêncio demais, medo demais. Adoece-se por dentro, lentamente, até que um dia já não se reco...

A Frontalidade, a Verdade e o Desastre da Língua Solta: Uma Reflexão sobre o Ofício de Saber Calar (e Saber Dizer)

Vivemos numa era estranhamente ruidosa. Tudo se diz, tudo se comenta, tudo se partilha, por vezes com tanto entusiasmo que se poderia jurar que o bom senso foi voluntariamente excluído do grupo. A frontalidade é agora proclamada como virtude absoluta, uma espécie de superpoder reservado aos “genuínos”, como se a autenticidade fosse sinónimo de brutalidade verbal — e a empatia, uma fraqueza patológica. Ora, convém começarmos por desfazer equívocos. A frontalidade é uma qualidade, sim, mas apenas quando temperada com inteligência. Caso contrário, é só má criação com um marketing moderno. Autenticidade tornou-se a palavra da moda — um chavão que as pessoas gostam de usar quando querem justificar comportamentos que, em qualquer outro século, seriam classificados como egocentrismo com laivos de drama. “Sou só eu a ser autêntica” diz-se, enquanto se atropela o outro com opiniões não solicitadas, julgamentos envoltos em “preocupação” e uma certa necessidade messiânica de “dizer as coisas como...

O Amor como Insubmissão Radical

Vivemos num tempo em que o amor foi convertido em slogan, domesticado pelo discurso mercantil da auto-ajuda, estetizado nas vitrines digitais como um estado de bem-estar permanente, sem atrito, sem fendas. Um simulacro confortável, higienizado de risco e de transcendência. Porém, o amor — o amor autêntico, irredutível, desobediente — não se deixa encapsular por narrativas utilitárias ou algoritmos sentimentais. Ele escapa. Ele excede. Ele irrompe. O amor é, antes de tudo, uma experiência ontológica. Não um simples estado afectivo, mas uma transfiguração do ser — como sugeria Martin Heidegger ao falar da abertura ao "ser-no-mundo" como uma entrega radical à presença. Amar verdadeiramente implica uma suspensão voluntária do ego como centro de gravidade, um descentramento que não é renúncia, mas expansão. Ao amar, não nos anulamos: abrimo-nos. Não nos dissolvemos: dilatamo-nos. Tal como em Emmanuel Levinas, que via no rosto do outro a origem da responsabilidade ética, o amor ver...

O que é ser voluntário num movimento da Igreja?

 Ser voluntário… ah, esta palavra que soa simples, mas que transporta o peso e a leveza do mundo. Ser voluntário é dizer “sim” sem garantias, é oferecer o tempo sem esperar recibo, é amar sem exigir retorno. E quando esse voluntariado acontece no seio de um movimento da Igreja, estamos perante algo ainda maior: um chamamento espiritual, uma missão da alma. Ser voluntário é olhar com olhos que verdadeiramente vêem — e não apenas observam. Porque ver o outro não é notar a roupa que enverga ou o tom da sua voz. É discernir a alma que grita por dentro, mesmo quando o rosto esboça um sorriso por fora. Ser voluntário é escutar com ouvidos que acolhem — não apenas captam som. É captar o que não foi dito, o que se esconde nas entrelinhas do silêncio, no intervalo entre uma lágrima contida e um “está tudo bem” mal disfarçado. É necessária coragem. Mas não a coragem ruidosa dos heróis de ficção — é a coragem serena de quem enfrenta a indiferença com afecto, a pressa com paciência, a superfic...

A Indiferença: A Arte Subtil de Assassinar Sentimentos com Luvas de Seda

Há formas de violência que não deixam nódoas negras nem escândalos. Não aparecem em séries policiais, não alimentam manchetes sensacionalistas, não gritam, não batem portas. Mas matam. Devagarinho. Com classe. Com uma pontaria clínica. Falo, claro, da indiferença — essa arte refinada de desaparecer estando presente, de coexistir sem comungar, de olhar sem ver, de ouvir sem escutar. A indiferença é o assassinato passivo-agressivo do afeto. Quando alguém se torna indiferente, não é apenas o silêncio que se instala: é o eclipse de tudo o que antes pulsava. A confiança, antes firme como uma pedra, torna-se areia. A segurança emocional esfarela-se como um castelo em dia de maré cheia. A relação, antes palco de diálogos, beijos, sorrisos cúmplices e até discussões épicas sobre onde jantar, transforma-se numa sala de espera onde ninguém chama o teu nome. Porque o amor — esse bicho complicado — não vive de grandes gestos encenados nas redes sociais, mas de pequenos cuidados quotidianos. Amar é...

Corro, logo vivo: um manifesto em movimento

 Há quem diga que a vida é uma corrida. Mas poucos compreendem que há corridas que não se fazem por obrigação — fazem-se por escolha, por paixão, por entrega. Corro, sim. Corro todos os dias. Não por estar perdida no tempo, mas por estar intensamente presente nele. Corro porque quero. Porque cada passo é uma afirmação do meu compromisso com a vida. O meu dia não é um alinhamento mecânico de tarefas: é uma coreografia de intenções. De manhã, o despertador não toca — chama-me. Acordo com o coração cheio, pronta para conciliar dois trabalhos como quem mistura cores numa paleta: diferentes, sim, mas parte do mesmo quadro. Trabalho não é fardo, é expressão. É ali que coloco o melhor de mim, que encontro sentido, que planto sementes para um amanhã mais sólido. Depois, corro para almoçar com a minha família, numa aldeia linda que me devolve o silêncio da terra, o cheiro do pão quente, o som da vida sem pressa. A mesa posta é mais do que um lugar de comida: é altar de afectos, de histórias...