A beleza de aceitar-se: um ensaio sobre a mulher que sou, entre imperfeições, qualidades e a dança infinita da vida

 Há em mim um território onde convivem, em delicado equilíbrio, as minhas sombras e as minhas luzes. Uma mulher não nasce pronta; vai-se fazendo, desfazendo e refazendo, tal como o barro moldado pelas mãos pacientes do oleiro. Foi preciso tempo — e alguma dor — para compreender que ser inteira não é ser perfeita, mas saber habitar as imperfeições com a mesma dignidade com que celebro as minhas qualidades.

Aprendi que a vida, na sua essência mais honesta, é uma dança de dualidades: força e fragilidade, riso e lágrima, esperança e desalento, sucesso e fracasso. Tentar negar esta dualidade é como querer travar o vento com as mãos. A mulher que sou aceitou que as suas falhas contam tanto da sua história quanto as suas conquistas; que os dias menos felizes têm tanto para ensinar quanto os dias de glória; e que a vulnerabilidade, longe de ser fraqueza, é a raiz mais profunda da coragem.

Num mundo que tanto insiste em pedir-me provas, escolhi não viver na defensiva. Recusei a prisão da imagem perfeita e da expectativa alheia. Descobri que a liberdade maior é não ter de convencer ninguém: nem da minha beleza, nem da minha inteligência, nem da minha bondade. Essa liberdade nasceu do auto-conhecimento, e esse é um caminho que não tem fim: todos os dias aprendo um pouco mais sobre quem sou, todos os dias desaprendo um pouco do que julgava saber.

Sou mulher de fé e de dúvidas, de certezas firmes e receios secretos. Trago em mim cicatrizes que não se veem, lembranças que me feriram e também me moldaram. Hoje sei que não sou apenas resultado do que vivi, mas da forma como escolhi viver o que me aconteceu. Porque viver não é controlar: é abraçar o presente, com tudo o que ele traz, sabendo que o amanhã não me pertence — pertence a Deus.

É essa consciência da finitude, essa humildade perante o mistério do tempo, que me ensinou a valorizar o agora. Aprendi que o dia de hoje é o meu único lugar real de ação e de gratidão. Amanhã será o que tiver de ser — e Deus saberá porquê. O que posso fazer é viver o presente com presença plena: ser gentil hoje, perdoar hoje, sonhar hoje, arriscar hoje, amar hoje.

Ser mulher, para mim, é assumir a vastidão do que sou. É saber que posso ser forte sem perder a ternura, sensível sem ser fraca, racional sem matar o coração. É aceitar que, muitas vezes, tenho medo — mas mesmo assim continuo. É reconhecer que posso não ter todas as respostas, mas tenho perguntas que me fazem crescer. É valorizar as minhas qualidades sem arrogância e olhar para as minhas falhas sem vergonha.

Vejo beleza nas minhas rugas que começam a surgir, porque são sinais de dias vividos, de batalhas travadas, de gargalhadas que valeram a pena. Vejo nobreza nos momentos em que não fui a melhor versão de mim, mas tive a coragem de pedir desculpa ou recomeçar. Vejo grandeza em cada cicatriz emocional que carrego: não como feridas abertas, mas como medalhas de resistência.

Na complexidade desta caminhada, descubro-me sempre em processo: nunca acabada, nunca perfeita, mas sempre mais verdadeira. E quanto mais aceito essa verdade, mais livre me torno. Livre do peso das comparações, livre da tirania do “deveria”, livre para simplesmente ser. E ser, no fim, é o mais profundo de todos os actos.

O meu carácter não nasceu pronto: foi sendo tecido em escolhas pequenas e grandes, em quedas e reerguimentos, na forma como tratei os outros e como me tratei a mim mesma. Foi-se fortalecendo na adversidade, porque a dor, quando acolhida e compreendida, deixa de ser inimiga para se tornar mestra.

E se me perguntarem o que me faz realmente bonita, direi que é esta coragem de ser imperfeita. É saber perdoar-me, aprender com o que não correu bem e, ainda assim, recomeçar todos os dias com fé. É saber que a beleza do corpo um dia se transforma, mas a beleza da alma — essa que nasce do carácter, da empatia e da sabedoria — floresce até ao fim.

Aceitar as dualidades da vida não é resignação; é lucidez. É compreender que luz só existe porque existe sombra, que alegria só faz sentido porque conhecemos a dor. É essa consciência que me torna mais humilde e, paradoxalmente, mais confiante: não porque controlo o futuro, mas porque confio em quem guia os meus passos.

No fim, resta-me agradecer. Pelo que sou, pelo que vivi, até pelo que perdi — porque me tornou mais completa. E seguir, dia após dia, com o coração aberto e a alma desperta, sabendo que o amanhã pertence a Deus, mas o presente é o maior milagre que Ele me deu.

E assim sigo, mulher inteira nas suas partes, imperfeita na sua beleza, forte na sua vulnerabilidade — vivendo cada dia com a certeza de que sou muito mais do que aquilo que o espelho reflecte. Sou história, sou caminho, sou fé, sou vida a acontecer, agora.

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