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A mostrar mensagens de julho, 2025

Encontrei

Encontrei. Ou melhor, reencontrei aquilo que já tinha achado, algures entre um silêncio cúmplice e uma madrugada insone: uma paz tão íntima que chega a parecer indecente confessá-la em voz alta. Mas não pensem que foi um caminho iluminado por epifanias suaves. Nada disso. Foi preciso atravessar corredores escuros da alma, ouvir vozes que criticavam com a mesma facilidade com que respiravam, que julgavam sem pestanejar, que mentiam com a tranquilidade quase artística de quem mente tanto que já não distingue invenção de verdade. Por momentos, quase invejei essa leveza de quem inventa a realidade a gosto. Quase. Deixei que me toldassem, admito. Cedi ao peso do que esperavam que eu fosse, perdi noites a tentar compreender por que motivo alguém investe tanto tempo a tecer narrativas sobre a vida dos outros. E depois percebi: há quem se alimente da desgraça alheia como quem mastiga distraidamente uma pastilha. Faz parte do equilíbrio cósmico – sempre haverá quem respire melhor quando consegu...

A beleza de aceitar-se: um ensaio sobre a mulher que sou, entre imperfeições, qualidades e a dança infinita da vida

 Há em mim um território onde convivem, em delicado equilíbrio, as minhas sombras e as minhas luzes. Uma mulher não nasce pronta; vai-se fazendo, desfazendo e refazendo, tal como o barro moldado pelas mãos pacientes do oleiro. Foi preciso tempo — e alguma dor — para compreender que ser inteira não é ser perfeita, mas saber habitar as imperfeições com a mesma dignidade com que celebro as minhas qualidades. Aprendi que a vida, na sua essência mais honesta, é uma dança de dualidades: força e fragilidade, riso e lágrima, esperança e desalento, sucesso e fracasso. Tentar negar esta dualidade é como querer travar o vento com as mãos. A mulher que sou aceitou que as suas falhas contam tanto da sua história quanto as suas conquistas; que os dias menos felizes têm tanto para ensinar quanto os dias de glória; e que a vulnerabilidade, longe de ser fraqueza, é a raiz mais profunda da coragem. Num mundo que tanto insiste em pedir-me provas, escolhi não viver na defensiva. Recusei a prisão da im...

Fechei a matraca.

 Olha, vou dizer-te: eu era daquelas que não só falava demais como falava com gosto, com requinte, com método quase científico. Contava tudo: planos, desgraças, amores, desgostos, dívidas, desejos, calos nos pés, tudo embalado num entusiasmo tão grande que até parecia que quem me ouvia tinha pago bilhete para assistir ao grande espectáculo da minha vida interior. Era de tal maneira grave que se me perguntasses as horas eu dizia-te a história do relógio, quem mo tinha dado, porque o estava a usar naquele dia, o que tinha sonhado na noite anterior, e no fim já nem eu sabia que horas eram. Um exagero, eu sei. Mas era mais forte do que eu: a língua vinha-me à boca como maré cheia, imparável. E o pior é que eu fazia isto com a maior das ingenuidades, cheia daquela fé cega de que toda a gente que sorri é boa pessoa, que toda a cabeça que acena é cúmplice, que toda a boca que diz “que bonito!” é sincera. Como se não houvesse por aí gente que reza para que tudo o que é meu corra pior do qu...

39/06/25. Ser inteiros no amor: prosa poética sobre liberdade, lealdade e o silêncio que constrói

 Amar não é somar metades quebradas na esperança de formar um inteiro; é o encontro de dois seres já completos que, mesmo assim, escolhem permanecer. Somos inteiros antes do outro, e permanecemos inteiros depois. E é nessa inteireza que reside o milagre mais singelo e mais raro: sermos livres, e ainda assim, sermos de alguém. O amor verdadeiro não se ergue sobre a vigilância ansiosa, nem floresce na terra seca do controlo. Ele cresce, antes, onde há liberdade: a liberdade de rir alto sem medo de ferir, de sair sem carregar justificações no bolso, de existir sem pedir licença para respirar. Porque quem ama de verdade não quer prender; quer proteger. Não quer moldar; quer conhecer. Não quer sufocar; quer abraçar o outro tal como ele é — com todas as imperfeições, com todas as esquinas por desbravar. E assim, caminhamos juntos, não porque precisamos, mas porque escolhemos. Partilhamos o riso, as mãos entrelaçadas, os silêncios cheios de sentido. E, no entanto, sabemos que somos dois m...