Discernimento espiritual no dia a dia
Sou mulher, sou católica, sou consciente.
E se há algo que tenho aprendido, com a vida, com a Palavra e com a oração, é que o discernimento espiritual não é um dom opcional — é uma urgência quotidiana.
É ele que separa o engano da verdade, o impulso da vontade divina, o entusiasmo passageiro da inspiração verdadeira.
Discernir é escutar. É observar. É estar atenta.
É saber que nem tudo o que parece luz vem de Deus, e nem todo silêncio é ausência.
O discernimento não é um sexto sentido, nem uma intuição vaga.
É uma graça do Espírito Santo, afinada na escuta da Palavra, no silêncio da oração e na fidelidade à Igreja.
Espiritualidade sem discernimento pode tornar-se engano com cara de verdade.
No meio de tantas vozes — conselhos, gurus, vídeos, frases bonitas, pregadores exaltados — como distinguir o que é de Deus e o que é apenas emoção humana?
Nem toda “benção” é benção. Nem todo “aleluia” vem do Céu.
Nem todo apelo é evangelho. Nem toda espiritualidade é cristã.
Discernir é resistir à pressa, ao teatro da fé imediata, ao culto do “sente ou não sente”, à manipulação religiosa disfarçada de autoridade espiritual.
É perceber quando há vaidade a pregar-se no lugar de Cristo.
Quando há culpa a ser plantada para controlar.
Quando há promessa a ser feita onde o Evangelho manda esperar, carregar a cruz, amar sem retorno.
Discernimento espiritual no dia a dia é saber que Deus não é um ruído — é uma Presença.
E a Sua voz é subtil, mas nítida. Não confunde. Não pressiona. Não grita.
Convoca. Toca. Esclarece. Liberta.
O Espírito Santo é discreto. E ensina pela paz.
O discernimento nasce da vida interior.
Não basta saber doutrina — é preciso viver em oração.
Não basta repetir versículos — é preciso meditar a Palavra com o coração.
Não basta seguir tradições — é preciso cultivar relação com Deus, com reverência e verdade.
Aprendi que o Espírito Santo fala na paz interior.
Mesmo que a decisão seja exigente.
Mesmo que o caminho assuste.
Se há paz — não ausência de medo, mas serenidade no meio da dúvida —, então é ali que Deus está.
Se, ao contrário, tudo parece apressado, ansioso, forçado, barulhento — então, paro. Rezo. Escuto.
Porque o Maligno também sabe citar a Escritura.
E nem sempre o mal se apresenta como mal.
Às vezes, vem travestido de boa intenção, de “revelação”, de sentimentalismo vazio.
Discernimento é uma forma de amor a Deus.
Porque discernir é querer fazer a Sua vontade — e não a nossa.
É não usar Deus como carimbo para decisões pessoais.
É não espiritualizar os nossos caprichos.
Eu aprendi a dizer:
“Senhor, mesmo que me custe, mostra-me o Teu querer.
Mesmo que vá contra os meus sentimentos, os meus planos, o que eu acho justo…
Prefiro a Tua verdade à minha razão.
Prefiro a Tua luz à minha pressa.
Prefiro ser fiel a Ti, do que seguir o que brilha mas me afasta de Ti.”
Esse é o centro do discernimento.
Discernir é um acto quotidiano.
Não é apenas em grandes decisões: é no falar ou calar, no ajudar ou esperar, no expor ou recolher.
É no modo como reajo às críticas, aos elogios, às injustiças.
É quando me deixo consumir por uma mágoa — ou quando a entrego.
É quando entendo que perdoar é mais importante que ter razão.
Ou quando percebo que há relacionamentos que, apesar da minha boa vontade, precisam ser deixados nas mãos de Deus.
Discernir é não se enganar a si mesma.
É não justificar o que se sabe errado com um “Deus entende”.
Porque Deus não é cúmplice da nossa auto-ilusão. É Pai, é Verdade, é Misericórdia — mas é também Justiça.
A mulher que discerne edifica.
Assim como a mulher sábia edifica a sua casa, a mulher que tem discernimento espiritual edifica a sua alma, a sua família, os seus ambientes.
Ela não se deixa levar por ondas de opiniões, por modas religiosas, por pressões de comunidade.
Ela escuta Deus.
Ela respeita os outros.
Ela ama com firmeza.
Ela sabe esperar.
Ela não grita para parecer ouvida.
Ela não precisa de palco.
Porque sabe que quem é guiada por Deus, nunca anda perdida — mesmo quando o mundo diz o contrário.
Discernimento é maturidade espiritual.
Não é preciso ser mística para discernir.
É preciso ser humilde.
E corajosa o suficiente para dizer a si mesma:
“Se não é de Deus, não quero. Mesmo que pareça bom. Mesmo que todos digam o contrário.”
E também:
“Se é de Deus, aceito. Mesmo que me doa. Mesmo que me desafie. Mesmo que me ultrapasse.”
Essa é a coragem da fé madura.
E é isso que peço todos os dias ao Espírito Santo:
“Dá-me o dom do discernimento.
Para não seguir o que agrada, mas o que salva.
Para não cair no engano do meu ego.
Para que a minha fé seja pura, simples, profunda — e Te agrade.”