A mulher de Provérbios 31 na vida real
Sou mulher. Católica. Fiel a Deus, mas também profundamente humana — de carne, alma, sangue, sombra e luz.
E durante anos, li Provérbios 31 com fascínio e desconforto.
Aquela mulher parecia um ideal inatingível: perfeita, incansável, admirada, sábia, próspera, virtuosa — quase etérea.
Mas um dia deixei de lê-la como lista de exigências e comecei a vê-la como revelação do que Deus sonha em mim, com a minha história, o meu tempo, as minhas limitações.
A mulher de Provérbios 31 não é um fardo — é uma inspiração.
Ela é real quando a vejo em mim sem filtros perfeccionistas. Durante muito tempo, tentei ser todas as coisas que aquele texto descreve. Levantar cedo, gerir tudo, falar com sabedoria, sorrir sempre, render frutos em silêncio. Mas um dia quebrei. E ali Deus falou: "Tu não foste criada para corresponder a uma lista — foste criada para amar, com inteireza e com verdade."
A mulher de Provérbios 31 é forte, sim, mas não é uma máquina: ela é inteira, não incansável; é sábia, não imune à tristeza; é generosa, não anulada.
Ela é sábia porque teme o Senhor — e não o julgamento do mundo. Não se define pelo aplauso social, nem pelas expectativas humanas. Ela é guiada por Deus — e é por isso que permanece de pé, mesmo quando tudo à sua volta cai.
Ela trabalha com as mãos — e com o coração. Tecer, organizar, vender, planear. Tudo o que faz é ofício e ofício é oração. O labor dela é mais do que funcional — é sagrado. Cada tarefa é uma oferta ao altar invisível de Deus.
Ela cuida dos seus, mas não se esquece de si. Não vive esgotada — vive equilibrada. Sabe colocar limites. Sabe dizer “não” com elegância. Sabe recusar o que drena, para preservar o que edifica. Quem dá de si sem cuidar de si, acaba por oferecer restos em vez de amor inteiro.
Ela vive no tempo, mas com os olhos na eternidade. Planeia o futuro com fé, ri-se do que há-de vir. E esta frase mudou-me. Porque eu, tantas vezes, me encolho com medo do amanhã. Mas ela, não — ela ri-se. Não por ser inconsciente, mas porque confia no Deus que já está lá.
Ela é elogiada — mas o segredo está no que faz no silêncio. O louvor não é o objectivo — é fruto. O que a move não é o reconhecimento, mas a fidelidade. Ela faz o bem, mesmo quando ninguém vê. Reza no escuro, trabalha no silêncio, perdoa sem troféus.
E mais ainda: ela nunca perde a sua essência. Não vive a imitar. Inspira, mas recusa ser cópia. Há em si uma originalidade que não é vaidade, mas fidelidade ao que Deus soprou nela no início. Fui criada para ser quem sou, não para me perder em comparações. Ela é coluna, não vitrina. É raiz, não ornamento.
Na oração, não grita nem faz espectáculo. Porque sabe que Deus não mede o volume da voz, mas a profundidade da entrega. Ora com reverência, com verdade. Respeita a casa do Senhor. É presença humilde, não performance espiritual. É o sagrado, não o ruído.
Hoje, ser mulher de Provérbios 31 não é ser perfeita. É ser inteira. É ser real, no meio do caos. É ser reverente, no meio do ruído. É ser forte, sem perder a ternura. É ser autêntica, sem ceder ao molde. É ser santuário de Deus — onde quer que esteja.
E por isso, todos os dias, digo a mim mesma:
"Não foste criada para impressionar. Foste criada para edificar.
Não foste chamada para representar. Foste escolhida para ser.
Sê mulher segundo o coração de Deus. E o resto virá."
Em Maria vejo a mulher que acolhe e guarda.
Em Ana, a que ora em silêncio e entrega o filho.
Em Rute, a que se faz fiel no ordinário.
E em todas elas, o reflexo de mim, chamada hoje a ser como elas: mulher da Palavra, do coração, da obra, da graça.