Amor-próprio à luz da Palavra: um espelho que devolve Deus

 Durante anos, tropecei nesta expressão: “amor-próprio”. Soava-me egoísta, mundana, demasiado próxima das filosofias que exaltam o "eu" em detrimento de tudo o resto. Fui ensinada — como muitas mulheres de fé — a dar, a renunciar, a calar, a apagar-me em nome do bem dos outros. A ideia de gostar de mim, de cuidar de mim, de olhar para mim com ternura parecia-me vaidosa, quase herética.

Mas Deus — na sua infinita paciência — ensinou-me a verdade escondida no coração da Palavra. E hoje compreendo: o amor-próprio, quando vivido na luz de Cristo, não é idolatria do ego. É fidelidade à obra do Criador.



Fui criada à imagem e semelhança de Deus.

Esta é a base de tudo.

Não fui moldada ao acaso, nem fruto de um erro genético, nem resultado de circunstâncias humanas.

Fui sonhada. Fui desejada. Fui forjada pelas mãos do Eterno.

O Livro do Génesis afirma:

“Criou Deus o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gn 1,27)

Isto não é metáfora — é fundamento.

Se sou imagem de Deus, então amar-me não é vaidade. É reverência.

Desprezar-me é insultar o Artista. É rasgar a pintura ainda molhada nas mãos do Criador.

Amar-me — com equilíbrio, com verdade, com humildade — é aceitar o dom que sou.



Amor-próprio não é narcisismo — é responsabilidade.

Amar-me não significa colocar-me no centro do mundo, nem fazer de mim a medida de todas as coisas.

Não é afirmar que sou perfeita, infalível ou autossuficiente. Não sou.

Sou criatura. Limitada. Frágil. Pecadora. E mesmo assim, amada.

E é neste amor de Deus por mim que nasce o meu próprio amor por mim.

Amar-me é cuidar de mim como quem cuida de algo sagrado.

É respeitar o corpo que me foi confiado, a mente que me foi dada, a alma que foi resgatada ao preço do sangue de Cristo.

Amar-me é dizer não ao que me destrói, ao que me esvazia, ao que me desumaniza.

É reconhecer em mim uma morada de Deus, não um depósito de culpas ou feridas.



 Jesus amou-nos… e também nos ensinou a amar-nos.

Há quem diga que o Evangelho nos manda apenas amar os outros. Mas isso é uma leitura parcial.

Na verdade, Jesus disse:

“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” (Mt 22,39)

O pressuposto aqui é evidente: preciso amar-me para poder amar o outro.

Se me desprezo, se me recuso, se me odeio, como poderei amar de verdade alguém fora de mim?

O amor-próprio é a medida com que amarei os outros.

E Jesus, embora tenha vivido no dom total de Si, nunca se anulou. Ele descansou, retirou-se, disse “não”, chorou, comeu, dormiu, cuidou do seu corpo — e do corpo dos outros.

O seu amor era oblativo, sim, mas nunca destrutivo. Era entrega, mas não autoabandono.



O amor-próprio cura a comparação, sara a inveja, desarma a insegurança.

Quando não sei quem sou, vivo a mendigar validação.

Comparo-me. Competindo em silêncio com outras mulheres.

Desejando dons que não são meus.

Mas quando me amo com os olhos de Deus, descubro que não preciso de competir com ninguém.

Cada mulher é uma obra-prima distinta. E eu também sou.

Quando aceito isso, deixo de querer ser outra. E aprendo a ser inteira.

Amar-me é dizer: "Obrigada, Senhor, por me teres feito assim."

Não como desculpa, mas como entrega.

Não como resignação, mas como fé.



O equilíbrio entre humildade e amor-próprio.

Muitos confundem humildade com auto-depreciação. Mas a verdadeira humildade não é dizer “não sou nada”.

A verdadeira humildade é reconhecer o que sou, com verdade.

Sou pecadora — sim. Mas sou também redimida. Sou limitada — sim. Mas sou também enviada.

Amar-me humildemente é aceitar a luz e a sombra. É saber que não sou perfeita, mas sou perfeita para o lugar que Deus me confiou.

O orgulho finge grandeza.

A humildade reconhece a verdade.

O amor-próprio, quando temperado pela graça, habita neste meio-termo santo.



A mulher que se ama torna-se dom para os outros.

Uma mulher que se ama de verdade não se fecha em si.

Ela transborda. Irradia. Partilha. Cuida. Serve. Dá-se sem se perder.

Porque sabe o seu valor, não aceita qualquer tratamento.

Porque conhece a sua missão, não se vende por migalhas.

Porque sabe quem a ama eternamente, não mendiga amor passageiro.

A mulher que se ama, ama melhor. Ama com liberdade. Ama com sabedoria. Ama sem se apagar.



E quando me custa amar-me?

Há dias em que me olho e não gosto do que vejo. Dias em que as minhas feridas falam mais alto.

Em que o espelho me devolve cansaço, pecado, passado.

Nesses dias, volto à cruz.

E lembro-me: ali está o preço que Ele pagou por mim.

A cruz é o espelho mais verdadeiro. Nela vejo quanto valho.

Não o valor que o mundo me dá.

Não o valor que os outros reconhecem.

Mas o valor que Cristo selou com sangue e eternidade.



Conclusão: 

Amar-me é dizer “sim” ao Criador que me pensou.

Amar-me é espiritual.

É bíblico. É saudável. É justo.

É uma forma de oração. É uma resposta à graça.

É dizer: “Senhor, eu acolho o que fizeste em mim. E quero ser aquilo que sonhaste para mim.”

Amar-me não é fechar-me em mim. É oferecer-me inteira, com lucidez, com liberdade e com fé.

Porque sei quem sou. Sei a quem pertenço. Sei para onde vou.

E, em cada passo, repito:

“Obrigada, Senhor, por me ensinares a amar-Te… começando por amar aquilo que Tu mesmo criaste: a minha vida, o meu corpo, a minha alma, a mulher que sou.”

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